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Caso Milena: crime leva à reflexão sobre políticas públicas

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Caso Milena: crime leva à reflexão sobre políticas públicas

Por: Sheila Barretto

No mês passado, um crime brutal deixou a população de Camaçari em choque. Uma menina de apenas 10 anos foi estuprada e morta dentro da própria casa por um adolescente de 17. Milena Alves estava sozinha e foi surpreendida pelo jovem, que invadiu a residência pelo telhado e ficou aguardando a chegada da vítima.

O crime foi o principal assunto das rodas de conversa por dias e muito se questionou sobre o fato de uma criança tão nova estar em casa sozinha e ser responsável por buscar o irmão menor na creche. A mãe de Milena, além de conviver com a dor de ter perdido a filha, teve que enfrentar também o julgamento de algumas pessoas por deixar a menina em casa enquanto trabalhava.

O caso da família de Milena é isolado? Infelizmente, não. E para esclarecer alguns pontos e refletir sobre o assunto, nossa reportagem conversou com a coordenadora do Conselho Tutelar de Camaçari, Valdinéa Dias, e com o conselheiro Adailton do Rosário. Os profissionais jogaram uma luz sobre o caso e destacaram que o município precisa urgentemente de políticas públicas voltadas para a criança e o adolescente.

Negligência ou necessidade?

“A gente tem muitos casos como este e têm crianças, menores que Milena, sozinhas em casa. No mês passado nós tivemos uma audiência pública no enfrentamento do abuso sexual, onde a gente frisou isso, que há falta de políticas públicas na área da infância e juventude nesse município. Hoje a gente toca no caso de Milena porque foi chocante e acabou em óbito, mas se Milena não tivesse morrido, ela seria agredida sexualmente e seria mais uma, estaria viva com os dramas e os traumas que o abuso traz para essas crianças”, disse Valdinéa.

Para o conselheiro Adailton, mães como a de Milena, têm a necessidade de se ausentar da residência para manter o sustento da família, o que pode ser caracterizado como abandono. Porém, se o responsável não suprir as necessidades da criança, também estará cometendo uma violação. “Os pais ficam em uma situação difícil. O estatuto diz que deixar a criança sob a responsabilidade de outra é abandono de incapaz, constitui crime. Mas o Conselho Tutelar vai criminalizar essa mãe em que circunstância? Se ela não vai buscar o sustento, seus filhos passam necessidade, que é outra negligência. Eu acho que nós temos que nos perguntar, ao governo e à sociedade, onde nós vamos parar e o que é que nós queremos para as nossas crianças hoje”.

Adailton explicou ainda que conseguir uma pessoa para ficar com as crianças enquanto os pais trabalham não é tarefa fácil. Primeiro porque muitos não têm condições de pagar uma babá e depois por não saber se aquela pessoa é de fato de confiança. “Pra você manter uma pessoa hoje dentro da sua casa, você não sabe quem é essa pessoa, não é só a questão financeira. As pessoas não estão confiando no outro”, conta Adailton.

“Não adianta nada a gente falar que a mãe deixou sozinha. Deixou por quê? Paremos de julgar e vamos entender a história. Milena não tem pai, o pai é falecido, a mãe precisava trabalhar pra manter as duas crianças dela”, pontuou Valdinéa. Mas então, qual seria a solução para que as crianças não fiquem desprotegidas e os pais tenham condições de trabalhar? Para o Conselho Tutelar é muito simples: criação de políticas públicas.

“A violação de direitos é gigante no nosso município. As crianças de 0 a 5 anos não têm creche, as creches que atendem são as comunitárias. Tem uma só que é em tempo integral, que fica na Nova Vitória, com uma ótima estrutura, mas que só atende a 70 crianças. Então, pense em um bairro que tem 50 mil habitantes com uma creche que só tem 70 vagas. Uma creche como essa é o nosso sonho para todas as crianças do município. Nós temos um município bilionário, a arrecadação é 1,3 bi/ano e nós não temos uma educação integral, nós não temos creches suficientes”, ponderou a coordenadora. De acordo com ela, só a Creche Nossa Senhora do Amparo tem uma lista de espera de 300 crianças.

Educação integral

A educação integral para as crianças da faixa etária de Milena também é defendida pelo Conselho Tutelar. “Não há uma política de escola em tempo integral em Camaçari. Se Milena não estivesse em casa, estivesse em uma escola que ela entrasse às 8h e saísse às 17h, talvez esse crime fosse evitado. O que falta é ser cumprido o Estatuto da Criança e do Adolescente”, disse Valdinéa.

Agressor também é uma vítima?

Tomando como exemplo o caso específico da menina Milena e as discussões sobre os direitos das crianças e dos jovens, outro ponto chama atenção: o agressor é um adolescente e cabe aqui uma reflexão sobre isso. O que o levou ao extremo de cometer um crime tão bárbaro? Como foi a infância dele? Em que ambiente ele cresceu para se tornar um homicida? A coordenadora do Conselho Tutelar de Camaçari fez algumas considerações sobre o jovem.

“Ele foi um adolescente que veio de Dias D’Ávila, praticou furtos em Simões Filho, mas ele também não é um adolescente que teve seus direitos violados? Culminou em ele ser um assassino hoje, mas antes de ele ser assassino, ele foi criança e como viveu essa criança? Quais os direitos dele foram respeitados? Onde estavam as políticas públicas, onde estavam os garantidores de direito na hora em que ele começou a cometer os absurdos pra que ele não chegasse até Milena? Então, nós na sociedade, também temos nossa parcela de contribuição, porque fechar os olhos e fazer de conta que não acontece, não vai adiantar”.

Cuidar e educar as crianças de hoje para que elas se tornem adultos responsáveis e de caráter é responsabilidade dos pais, professores e de todos nós como sociedade. O crime que tirou a vida de Milena fica agora como uma lição sobre o que estamos fazendo por nossos jovens, sejam eles as vítimas ou os agressores. “A gente quer que a sociedade volte a lembrar de que criança não nasce feita, ela é moldada, é o ambiente em que ela cresce que a molda. Então nós vamos escolher se queremos marginais ou pessoas de bem”, concluiu Valdinéa.

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