Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Notícias

/

Camaçari

/

Padre Valmir conta histórias de racismo e fala sobre respeito

Camaçari

Padre Valmir conta histórias de racismo e fala sobre respeito

Por: Sheila Barretto

Padre Valmir Miranda é responsável pela Paróquia Ascensão do Senhor (Foto: Sheila Barretto/CN)

Apesar de a população baiana ser predominantemente negra, o racismo ainda é muito presente na nossa sociedade, atingindo o negro em qualquer esfera de atuação, até mesmo dentro da Igreja Católica. Conversamos com o padre Valmir Miranda, que foi pároco da Catedral de São Thomaz de Cantuária e atualmente comanda a Paróquia Ascensão do Senhor, no bairro Novo Horizonte, e ele nos contou que já sofreu diversas situações relacionadas ao fato de ser negro.

“Na minha caminhada enquanto religioso, diversas vezes senti preconceito, dentro e fora da Igreja, e mais ainda porque nasci na periferia da capital, em um bairro muito pobre, Sussuarana, de família pobre”. Na educação que recebeu no seminário, Pe. Valmir aprendeu a lidar com questões relacionadas à cultura do povo baiano e a ligação com as religiões de matriz africana.

“O reitor sempre dizia que é muito diferente ser padre em Salvador, nesse contexto da Bahia, para entender a questão sincrética, essa questão religiosa, a questão da nossa chegada aqui nessas terras. O nosso reitor falava muito isso, pra que a gente se inserisse no contexto do povo e não fôssemos padres agressivos com a realidade que está aí, que não é uma questão cultural, é uma questão de humanidade mesmo. Tudo que a gente vive, que a gente entende como de realidade cultural ou religiosa, é algo da nossa humanidade”.

Já como padre, ele conta duas passagens que considera engraçadas, mas que estão diretamente ligadas ao prejulgamento que as pessoas fazem com quem é negro. “Eu fui convidado pela UFBA uma certa vez para ser padrinho de uma turma de formandos e cheguei bem cedo. Estava de terno e uma senhora chegou pra mim, nem deu boa noite e pediu pra colocar a mãe dela, que estava em uma cadeira de rodas, no elevador. Eu expliquei que não trabalhava lá. Depois, quando começou a cerimônia, a professora me anunciou como padrinho da turma e padre e aquela senhora ficou visivelmente envergonhada”.

“Outro episódio engraçado também quando era pároco em Cajazeiras, eu sou um padre muito à vontade e eu estava lavando a igreja com o povo e chegou uma mulher que era parente de uma noiva que ia casar lá na igreja e ela começou a falar mal de mim sem saber que eu era o padre. Quando eu disse a ela que eu era o padre, ela chegou a chorar. Tem tanta coisa que aconteceu e acontece até hoje nessa realidade de ser negro e também de ser negro na Igreja, mas graças a Deus eu dei passos grandiosos, não fiquei só aí. Eu fui pároco da catedral, que é um cargo muito importante para um padre que é filho da periferia, é filho de pobres, veio de uma outra realidade e eu vim pra Camaçari pra ser pároco dessa Diocese”.

Desde que chegou em Camaçari, Pe. Valmir desenvolve um trabalho junto aos negros na Pastoral Afro. “Logo quando eu chegue há sete anos, a comunidade viu a cor do padre, então alguns leigos vieram conversar comigo pedindo que eu cuidasse do nosso povo. Daí começamos um trabalho com a Pastoral Afro, com o povo de santo, fazendo essa parceria, com o apoio também de alguns políticos que têm a linguagem desse trabalho com o povo negro e aí começamos as missas afro, os encontros, retiros, formação, fomos estabelecendo esse caminho”.

De acordo com o padre, uma das atividades da Pastoral Afro é fazer a ponte entre a Igreja Católica e as religiões de matriz africana. “A equipe que trabalha comigo tem essa função de conversar com os pais e mães de santo para batizar as crianças, para inserir as crianças no caminho da Igreja e da fé. E é interessante porque o povo recebe muito bem, faz esse caminho e é muito bonito”.

Sabemos que na Bahia, o sincretismo religioso é muito forte e o padre falou também sobre isso. “A questão sincrética tem que ser respeitada porque não é uma coisa que se muda de uma hora pra outra. É uma questão de conscientização, de conversa, de diálogo, de respeito. Respeitar o outro a partir da decisão que o outro toma desse caminho de pertença ou de dupla pertença, porque tem gente que faz esse caminho livre, de ir lá no Candomblé, de vir aqui na Igreja Católica e alguns vão no Espiritismo, quem sabe até na Igreja Evangélica e conseguem fazer essa ponte, já outros não conseguem, ficam carregados, desanimados, dizendo, ‘ah, isso não é de Deus’. Mas primeiramente o respeito e a partir daí o diálogo”.

Neste mês de reflexão, o Padre Valmir projeta sua esperança de mudança nos jovens. “Nesse novembro negro, eu quero convidar a comunidade, o povo negro, a buscar cada vez mais se valorizar. Nós temos um número grande de juventude na cidade, mas é preciso que a juventude possa mudar esse caminho da cidade a partir da conscientização. A cidade de Camaçari tem que ser uma mãe que sabe acolher, mas pra essa cidade saber acolher, quem mora nela tem que se sentir dela. E hoje o que falta em Camaçari é essa pertença, essa identidade, esse respeito pela cidade, porque quando respeitamos a cidade, respeitamos os habitantes dessa cidade. E essa cidade tem que ser de fato direcionada pra Deus, no tocante a qualquer religião que está aqui, não contando o nome da religião, mas todas querem que essa cidade seja de Deus e sendo de Deus, nessa cidade habitam os homens e as mulheres de boa vontade. O meu desejo é que comece pela juventude essa mudança, essa revolução do amor de Deus na história do povo de Camaçari e o respeito seja o nosso lugar”.

Relacionados