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Novembro Negro: conheça a história de sucesso de Kaká da Flor

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Novembro Negro: conheça a história de sucesso de Kaká da Flor

Por: Sheila Barretto

O carro chefe do Ateliê de Kaká da Flor é o turbante (Foto: Sheila Barretto/CN)

Neste mês de novembro, onde se comemora o Dia da Consciência Negra, o Camaçari Notícias traz as histórias de pessoas negras que contribuem para a cultura de nossa cidade. Suas lutas, as barreiras impostas pelo preconceito e os relatos de sucesso. Começamos com empresária Kaká da Flor, que deixou o emprego no Polo para seguir seu sonho de ter uma loja de acessórios, roupas e calçados que exaltam a cultura negra.

Como tudo começou

Karina virou Kaká da Flor ainda quando trabalhava em uma montadora no Polo Industrial de Camaçari. Por sempre gostar de acessórios, ela trazia sempre um girassol enfeitando os cabelos e isso acabou virando uma referência. “Aquela menina lá na frente com a flor na cabeça, Kaká, Kaká da Flor, daí surgiu o nome”, relembra.

A paixão por turbantes começou ainda na infância, quando ainda menina ela pegava fraldas e amarrava na cabeça. Mais tarde, foi a vez das cangas de praia virarem turbante, até chegar ao acessório de verdade. Foi aí que as amigas de Kaká começaram a incentivá-la a abrir uma loja, mas a rotina exaustiva do trabalho na fábrica a impedia. “E numa brincadeira, no dia 15 de agosto de 2015, eu fiz uma oficina de turbante na porta de casa, onde convidei minhas amigas pra participar. E elas ficaram pedindo que eu fizesse mais, até pela carência desse tipo de artigo em Camaçari”.

Apesar do apoio das amigas, Kaká achou que a ideia não daria certo por causa do preconceito. “Eu falei que as pessoas de Camaçari não aceitarim isso, porque não é todo mundo que vê como cultura, como acessório, muita gente relaciona o turbante à religião e não é só de religião. O turbante é um acessório da mulher negra que se empodera, que se acha bonita”. Mesmo com essa consciência, ela confessa que foi gostando da ideia de abrir seu próprio negócio e as oficinas de turbante começaram a ser semanais.

O Ateliê Kaká da Flor

Cansada do trabalho na indústria após 15 anos e querendo suprir a carência de artigos afro em Camaçari, Kaká resolveu abrir a loja. “Com o passar do tempo eu comecei a me dedicar ao ateliê. Eu sempre gostei de costurar, de costumizar algumas coisinhas. E quando eu fui fazendo aos pouquinhos, fui juntando outras coisas, porque o turbante puxa um brinco legal, uma sandália de couro, um vestido bacana, e eu fui procurar na cidade e não encontrei. Não encontrei nada que me representasse, que tivesse uma afirmação da mulher negra, da negritude”.

E foi no bairro onde ela cresceu que nasceu o Ateliê Kaká da Flor há 3 anos. “Sou nascida em Camaçari, crescida nessa rua aqui da Bomba e foi aqui o lugar que eu escolhi pra abrir o meu ateliê e mostrar pra cidade um diferencial, mostrar que poderia ser encontrado, sim, não precisava viajar até Salvador, até o Recôncavo da Bahia e até fora do estado em busca de um turbante”.

Quem entra no ateliê percebe a diferença na hora. As cores dos tecidos, as estampas dos vestidos, os brincos com temática africana, tudo é muito diferente do que se vê em outras lojas na cidade. A decoração rústica também chama a atenção de quem passa e se arrisca a fazer uma visitinha. “Pra montar a loja, eu fui em busca de outras referências, com uma decoração sustentável com madeira agreste, paletes, caixotes, esteiras, tudo natural, simples e que atrai o olhar das pessoas, porque eu não queria que fosse mais uma lojinha na cidade, queria uma coisa diferente, onde as pessoas se sentissem a vontade de entrar”. E quem entra se sente realmente acolhido, tanto pelo ambiente, quanto pelo atendimento.

Os turbantes e o preconceito

A Bahia é um estado predominantemente negro, porém isso não significa que os negros que aqui vivem não sofrem com o preconceito. E justamente por causa dos turbantes, Kaká da Flor ouve comentários maldosos até hoje. “Eu quando uso turbante, já saio com meu coração livre. Eu vou na rua fazer uma comprinha besta na feira de Camaçari, e vou com meu turbante na cabeça e com meu coração aberto porque eu sei que eu vou ouvir desaforo. Toda vez é a mesma coisa. Pra eu não voltar brigada, eu tenho que fingir que eu não tô ouvindo”.

“O rótulo que faz com que o turbante seja discriminado é porque as pessoas o relacionam com o candomblé, o que na verdade não é. Ele é usado pelas mulheres do candomblé, mas a pipoca também é utilizada no candomblé e a gente come tranquilamente, o caruru, o acarajé, tudo é de matriz africana, mas a gente consome. As pessoas simplesmente não conhecem, não procuram conhecer e preferem ser preconceituosas, grosseiras. A Bahia traz essa raiz, essa cultura e deveríamos dar exemplo de respeito ao próximo, de tolerância, de saber respeitar o que o outro usa. Sofremos preconceito aqui dentro, intolerância religiosa, de opção sexual, racial, em tudo existe preconceito na Bahia e é fortíssimo”, declara Kaká.

A empresária destaca que o turbante é um acessório de moda como outro qualquer e que as pessoas o discriminam por pura falta de conhecimento. “As pessoas perguntam se turbante é só pra que está com problema de saúde ou problema capilar e o turbante não tem nada a ver com isso. Eu brinco sempre nas oficinas, que turbante não é pra cabelo, pra cabelo é creme e pente. Turbante é pra cabeça. Ele é um acessório com força, com identidade”.

Mulher negra versus mulher branca

Quando abriu a loja em 2015, Kaká esperava atender às mulheres negras de Camaçari com produtos que exaltavam a sua raça, porém o que aconteceu foi totalmente o contrário, como conta a empresária. “As minhas amigas negras chegavam aqui e falavam ‘não gosto disso’, ‘isso não combina comigo’, ‘tenho vergonha de usar um negócio desse’. Já minhas amigas brancas ficaram loucas porque elas compravam pela internet, pagavam frete e agora podiam comprar aqui”.

“Conversando em palestras, em vários encontros que eu participo de empoderamento negro, eu comecei a falar sobre isso e elas me explicaram que eram muito perseguidas. A branca pode usar turbante e ser tachada como estilosa, já a negra, de cabelo crespo, se sair na rua de turbante, as pessoas vão querer saber o que tem ali embaixo, se tem alguma arma, se é macumbeira. Infelizmente o preconceito nos priva de usar o que a gente quer, de ser o que a gente é, com medo de ser oprimida, de ser apontada, de sofrer preconceito”.

De fato é comum vermos na internet até algumas artistas brancas usando turbante e quando isso acontece, surge o debate sobre apropriação cultural. Mas será que a pessoa de pele clara não pode usar um acessório típico do povo de pele escura e vice versa? Kaká não vê problema nenhum nisso.

“Existe a apropriação cultural, mas existe também o respeito de algumas mulheres brancas em relação ao turbante e eu não posso dizer que não vou vender pra uma mulher de pele clara na minha loja porque assim eu vou estar sendo preconceituosa. Aqui todos são bem vindos, eu falo sobre o empoderamento da mulher, sendo ela da cor que ela for”.

Kaká da Flor pelo Brasil

Se você é de Camaçari e não conhece Kaká da Flor, saiba que você precisa se atualizar. Ela já ultrapassou as fronteiras e através da internet, seus produtos chegam a diversas partes do país. “Eu envio meus produtos pra Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Alagoinhas, Cachoeira, Nazaré das Farinhas, Jequié, Vitória da Conquista. Em todos os cantinhos do Brasil, devagarzinho, eu tô chegando. O mais distante que eu enviei foi pro Amapá. Infelizmente eu alcancei outros estados, mas aqui em Camaçari eu ainda não alcancei todo mundo”.

A maior vitrine de Kaká atualmente não fica no ateliê e sim no Instagram, onde as pessoas podem conferir as novidades e fazer os pedidos através do WhatsApp. “Meu WhatsApp chega a ter 800 números de telefone. Eu faço o cálculo do valor de envio pra outros estados e elas fazem o orçamento já com o frete incluso e pagam por cartão, depósito ou transferência bancária e funciona muito bem”.

O sucesso é tão grande que Kaká já foi convidada pra abrir uma loja na Europa. “Já fui convidada pra abrir um ateliê na Itália, mas seria uma mudança muito drástica, uma mudança que eu precisaria estar desprendida de muita coisa e eu tenho uma filha de 4 meses, um marido que trabalha fora e eu tenho que olhar pelos meus”. Mesmo assim ela não descarta a possibilidade de abrir outro espaço fora de Camaçari.

Coroando Camaçari

Durante o mês de novembro, Kaká da Flor costuma realizar diversas oficinas em escolas, hotéis e pousadas. Além de ensinar sua arte e “coroar” as mulheres com os turbantes, ela aproveita esses encontros para passar uma mensagem de força e determinação, especialmente para quem busca seguir seus passos. “Eu sempre falo nas palestras das oficinas que custa pouco sonhar. É muito difícil você pegar uma quantia alta de dinheiro pra investir em um estabelecimento, mas você não pode se privar e achar que não pode, você tem que acreditar. A primeira pessoa a acreditar no seu sonho, tem que ser você, não pode ser o outro”.

Sair da zona de conforto e buscar a realização pessoal, também é um conselho dado por Kaká. “Eu trabalhei 15 anos em uma empresa que pagava muito bem, mas onde eu não era feliz. Nesses 15 anos eu consegui me estabilizar financeiramente, conquistar minha casa própria, meu carro, mas ao mesmo tempo houve momentos que eu queria ter vivenciado com a minha família e não pude, coisas que eu não vou viver mais. E são essas coisas que eu dou valor”.

Kaká considera o mês da consciência negra importante, mas lembra que ela é negra de janeiro a janeiro e que as mulheres negras precisam ser fortes e se afirmar o tempo todo. “Que a mulher negra nunca baixe a cabeça, sempre tente superar todos os obstáculos, todas as crises, e que a parceria entre as mulheres negras seja mútua. Temos que ter respeito umas pelas outras, independente de qualquer coisa, independente até mesmo da religião, o respeito, acima de tudo, é vida. O respeito tem que predominar”, finaliza.

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