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Sobreviventes e parentes de 19 vítimas convivem com lembranças de naufrágio

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Sobreviventes e parentes de 19 vítimas convivem com lembranças de naufrágio

Por: G1

Lancha Cavalo Marinho I, que naufragou em agosto do ano passado na Baía de Todos os Santos (Foto: Afonso Santana)

 

“Quando vi os corpos boiando no mar, achava que eu e o grupo do bote seríamos os próximos. Foi um dia desesperador", relembra a técnica de enfermagem Michele Amorim, de 33 anos. Ela é uma das sobreviventes da tragédia que, no dia 24 de agosto de 2017, deixou 19 mortos. A embarcação Cavalo Marinho I virou na Baía de Todos-os-Santos, às 6h40, dez minutos após deixar o terminal de Mar Grande, localidade do município de Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, com destino a Salvador. Na lancha estavam 120 pessoas a bordo: 116 passageiros e quatro tripulantes.

Com o acidente, os botes se soltaram da embarcação e só alguns passageiros conseguiram se segurar neles para não se afogar. Michele foi salva por um grupo que já estava em um desses botes. "Caí já bebendo água e senti que puxaram meu pé. Como eu estava de sandália, ela acabou saindo do pé e eu acredito que essa pessoa afundou. Daí comecei a subir [para a superfície], a levantar a mão e vi um bote. Subi no bote e fiquei lá com algumas pessoas", lembra.

Casada, mãe de uma adolescente de 13 anos, Michele mora com a mãe e a família em Mar Grande e sempre usava as lanchas como transporte diário para chegar a Salvador, onde trabalha. Apesar de um ano já ter se passado, assim como Michele, outros sobreviventes lembram com detalhes como foi aquela quinta-feira chuvosa, de ventos fortes, e dos momentos de luta pela sobrevivência. É o caso do motorista Cristiano Barreto, de 41 anos. Ele escapou mesmo com dificuldade para nadar, pois tinha passado por uma cirurgia no ombro havia cerca de um mês e estava a caminho de Salvador para uma sessão de fisioterapia quando tudo aconteceu.

Diante do naufrágio, os moradores da ilha se mobilizaram, tomados por sentimentos de solidariedade misturados à tristeza e revolta. Os marinheiros que tinham barcos atracados foram para o mar na tentativa de salvar os passageiros que estavam na água. Quem não tinha barco ia nadando mesmo, e ajudava a colocar algumas pessoas nos botes. No pior dos casos, voltavam para a areia da praia arrastando uma vítima, para não deixar que a maré levasse o corpo para alto-mar.

O sentimento de solidariedade surgiu até de quem estava no barco naufragado e não pensou em si mesmo, como foi o caso de Salvador Souza Santos, que priorizou a vida de outros, mas perdeu a sua. Idoso, de 68 anos, tinha as marcas da idade na pele e em um bigode branco que carregava no rosto, mas de franzino e frágil, nada tinha. Era nadador nato, "nativo" da ilha.

Salvador saía todos os dias de Mar Grande na embarcação que deixava o terminal às 6h, para trabalhar em uma loja de sapato. Mas no dia da tragédia, ele se atrasou e pegou a embarcação das 6h30, segundo conta Marcelo Coelho, um dos filhos da vítima.

"Fiquei sabendo do acidente por meu irmão. Então, acompanhei tudo pela TV, mas teve uma hora que resolvi ir para a ilha. Quando cheguei lá, parecia um campo de batalha. Muita gente, ambulâncias do Samu, muita gente desesperada, rabecão, muitos corpos na areia da praia. Eu via tudo aquilo, tinha esperança de encontrar meu pai porque ele sabia nadar muito bem..."

O gesto de solidariedade do povo de Mar Grande também foi lembrado por Michele, que contou ter aguardado por socorro por cerca de duas horas no bote. Quem também tem lembranças fortes da tragédia é Juracy Reis da Conceição, de 35 anos. Ele não estava na embarcação. Quem seguia viagem na Cavalo Marinho I, naquela manhã do dia 24 de agosto foi a mãe dele, Edileuza Reis da Conceição, de 53, que não conseguiu sobreviver.

Edileuza morava em Salvador, mas como tinha feito uma cirurgia no joelho, foi para a ilha ficar na companhia do filho. No dia em que morreu, ela ia a Salvador para tratamento de saúde. A aposentada faria a terceira sessão de fisioterapia.
Da mãe, ficaram as boas lembranças e a saudade. "Todo santo dia eu penso na minha mãe.

A gente não consegue comemorar uma data especial, a gente tenta maquiar para o sofrimento ser menor. Minha mãe era minha fonte de inspiração. Tudo o que sou dentro de casa é fruto de minha mãe. Não tenho palavras para expressar o que ela significava para mim. Era uma mulher muito engraçada, 'moleca', minha mãe era festiva, de coração bom, prestativa, não tenho adjetivos. Foi uma dor muito grande", lamenta.

Viagem
A travessia de passageiros por meio de embarcações, entre Salvador e Mar Grande, é um transporte oficial, regulado pela Agerba -- Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos, de Energia, Transportes e Comunicação da Bahia, órgão vinculado ao Governo do Estado.

Os dois terminais são: o de Mar Grande (município de Vera Cruz, na Ilha de Itaparica), e o Terminal Náutico de Salvador, no bairro do Comércio. A distância entre os dois é 12km. A viagem dura cerca de 45 minutos. A outra opção para o percurso é pegar o ferry-boat, a uma distância de cerca de 23 km entre o Terminal de São Joaquim (Salvador) e o Terminal de Bom Despacho (Ilha de Itaparica).

O tempo de viagem pelo ferry é de cerca de uma hora e após deixar o terminal de Bom Despacho, o passageiro deve pegar um transporte terrestre (van, táxi, mototáxi ou ônibus) para chegar até Mar Grande.

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