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O adolescente que bebe se sabota, diz especialista

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O adolescente que bebe se sabota, diz especialista

Por: Sites da Web

Imagina se, ao entrar em uma boate, você recebe, de um cinquentão, um "kit boa saúde", com barrinha de cereal, refrigerante, água e suco? Este "coroa" existe. Ele é Marcos Daudt e, há sete anos, muito antes do incêndio que vitimou 242 pessoas na boate Kiss, no interior do Rio Grande do Sul, luta por festas seguras para os jovens naquele estado. Presidente e fundador da ONG Instituto Cuidar Jovem, Daudt realiza palestras, visita festas em boates e também é autor de projetos polêmicos, como o que propõe proibir a venda de energéticos para menores de 18 anos e o que busca obrigar boates a oferecerem água de graça.

Você sugeriu projetos de lei polêmicos, como o que suspende a venda de energéticos para crianças. Por que a proibição?

Esta lei será voltada na semana que vem ou na seguinte. Se aprovada, Porto Alegre será a primeira cidade brasileira a contar com a proibição. O energético é uma bomba­relógio. Ele tem muita cafeína. E consumir é modinha agora para a gurizada. Isso sem falar na mistura que eles fazem com vodka ou uísque. Ele é utilizado erradamente desde os 12, 13 anos. Às vezes os adolescentes e jovens bebem para fazer esporte e está errado. O próprio esporte ativa o coração. Quem tem um problema congênito pode até morrer. Se você pesquisar mortes por energético na internet, verá a quantidade de casos. E nós não temos estatísticas para isso, nem sabemos o que contem em cada um deles, porque não é regulamentado pela Anvisa. Em Bariloche, Argentina, os energéticos já são proibidos para menores de 18 desde 2006. Espero que a partir de agosto tenhamos a nossa

Que outros projetos você já sugeriu?

Eu tenho um projeto de lei agora para ter água de graça nas boates, em qualquer evento. Porque às vezes te cobram R$ 10 por uma água. Então as pessoas não tomam e esses jovens estão em fase de crescimento, não podem ficar desidratados. As boates também precisam ter posto médico, ou uma ambulância, porque se acontece um acidente hoje, não há socorro imediato. Tenho um projeto aprovado em Porto Alegre que obriga detector de metais em casas de evento e nos cinemas. Ainda não está sendo respeitado, mas estamos lutando para que seja. Outro, também aprovado, proíbe a entrega de bebida alcoólica sem identificação de idade, porque senão um menino de 10 anos poderia ligar e pedir uma pizza mais dez cervejas para o entregador deixar na portaria do prédio.

De onde surgiu a ideia de criar uma ONG para lutar por festas seguras?

Há 7 anos morreu o filho de uma amiga e houve uma comoção muito grande. Com a perda, um grupo de pessoas se reuniu e decidiu que festa não é para morrer. Jovens vão para se divertir, eles pagam para isso. Começamos os trabalhos com uma ONG, que durou seis anos. No ano passado, a família do jovem, decidiu encerrar, porque acharam que o trabalho desenvolvido estava completado. A partir da demanda de colégios e pais, solicitando novas palestras, do incentivo de amigos, eu mudei a bandeira para Instituto Cuidar Jovem, que já tem CNPJ, é bem organizado e completará um ano no próximo mês. Continuei também porque gosto de buscar um futuro melhor para nossos jovens, porque eles serão os gestores dos nossos futuros. Eu tenho 55 anos. Daqui a cinco, serei um idoso. Quero que os gestores do meu futuro sejam pessoas saudáveis estejam bem.

O que o Instituto Cuidar Jovem desenvolve?

Nossas ações estão focadas na prevenção e na festa segura. Nós sugerimos que as boates e casas de shows tenham itens de segurança como detector de metais, ambulatório ou ambulâncias com médicos, saídas de emergência sinalizadas, respeito à lotação máxima, contratação de seguranças sindicalizados e implantação de câmeras de vigilância. Também faço palestras para jovens em diversas instituições, com mais frequência, nas escolas. Anualmente, realizo 30 a 50 palestras.

Como ocorrem as visitas às festas nas boates?

Eu visito espaços de festa, com a permissão da produção. Nós fazemos ação externa, até uma hora e meia, que consiste em dar uma barrinha de cereal, refrigerante, suco e água. É uma maneira simbólica de dizer: olha, tu podes te divertir, mas também podes te alimentar. E se já estiver um pouco alto, come uma barrinha, bebe uma água, porque senão tu podes perder o resto da festa. Depois entramos para confraternizar com a galera. Aproveito e observo a falta de itens. É uma relação amistosa, na qual não pretendo denunciar, a não ser em casos extremos.

Estes dias, por exemplo, anunciaram no facebook uma festa open bar para 14 anos. Não pode, né?

Denunciei o caso, aí representantes do Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca) e de outros órgãos estiveram lá e a festa não ocorreu, porque a proposta do pessoal era totalmente.

Qual a irregularidade que mais te surpreendeu nas boates que já visitou?

Esses dias eu fui numa boate famosa de Porto Alegre e tinha uma porta giratória na entrada do local. Já vou criar um projeto para proibir. Imagina uma porta daquelas na entrada. Eu fiquei admirado. Fiz uma denúncia aos bombeiros e para o meu espanto, aquilo foi aprovado no Plano de Prevenção contra Incêndio (PPCI), que todo local tem que ter. O comandante do bombeiro também ficou espantado, porque não era da gestão dele e ele nem sabe como aprovaram. Isso é um empecilho. As pessoas tendem a sair por onde entraram. Uma pessoa cai aí, tranca. Além disso, imagina se for preciso fazer uma evacuação rápida. Eu tive a oportunidade de assistir a um vídeo do incêndio na boate República Cromañón, em Buenos Aires. A pessoa que filmou conseguiu sair e filmou uma massa humana entalada numa porta giratória do local, tentando sair. Foi uma coisa horrorosa!

Você também defende a não ingestão de bebidas alcoólicas. Quando o álcool passa a ser prejudicial, em sua opinião?

Quando ele começa a fazer parte da rotina e se torna um companheiro de todos os momentos. Na nossa sociedade a gente bebe tanto para comemorar como para esquecer problemas. Tudo é desculpa para beber. A nossa sociedade pensa que para se divertir é preciso beber.

Em um de seus encontros você já falou sobre a influência do álcool para a morte de algumas pessoas na tragédia da boate Kiss.

Eu não quis dizer que os jovens que estavam lá morreram porque estavam bêbados, mas que, quando a gente bebe, perde o discernimento. O tempo para que aquelas pessoas tivessem noção e tirassem o efeito do álcool, foram segundos preciosos que fez a diferença entre quem pôde sair e quem errou o caminho.

O país está melhor preparado depois da tragédia?

Não. Em Bariloche, Argentina, você vê que as boates são sinalizadas. Um telão exibe instruções para as saídas de emergência, para ambulatório, como se fosse avião. Claro, depois do acidente, das mortes, na boate República Cromañón, eles normatizaram tudo. Ao contrário daqui, onde mesmo depois da tragédia da Kiss, a regulamentação das boates permanece engavetada. Infelizmente, nosso país é lento para tomar providências frente às tragédias, esperando que outras aconteçam.

Os jovens perguntam: como enfrentar a vida, às vezes entediante, de cara?

Eles estão na fase de transgredir, de experimentar. Ninguém pode tirar esse direito deles. Por isso que eu levo a informação. Mostro casos de pessoas que se deram mal porque beberam em excesso. Recentemente, um garoto morreu em Bauru porque participou de um concurso de bebida alcoólica. Tomou 30 doses de bebida e morreu. Aí eu mostro a evolução desse consumo e frente a isso, eu mostro que a bebida tira o discernimento e impulsiona a fazer uma série de besteiras, como usar droga. E tem uma coisa ainda mais importante, que também serve para maconha. Quem precisa dessas substâncias e começa a ficar adicto a elas perde competitividade. E na nossa vida tudo hoje está muito competitivo. Até para casar a pessoa compete. Outra questão a ser levada em conta é que o córtex pré­frontal, parte importante do cérebro, só termina de se desenvolver pelos 22 anos, não aos 18. Dezoito anos é a idade legal. Então até os 21, 22, tu estás a desenvolver uma parte do teu cérebro que vai decidir quase tudo que é importante para ti. A pessoa que bebe desde os 13, média de consumo de bebida alcoólica no país, está se sabotando. Por isso que acho importante, pelo menos, retardar ou reduzir o consumo.

Em 2008, o Executivo propôs um projeto de lei que restringia a propaganda de bebidas com baixo teor alcoólico na TV, mas o projeto foi retirado de pauta por causa da influência das cervejarias. Em sua opinião, se aprovada, essa restrição reduziria o consumo de álcool, principalmente entre os jovens?

O apelo da bebida alcoólica é por uma vida feliz. Quando na verdade é uma propaganda enganosa. O erro da propaganda da bebida começa por aí. Não é uma vida feliz, tu não vais andar de lancha se ficar bebendo, vai danificar o seu fígado, seus rins, vai virar alcoólatra. Mauro Kwipko está levando a diante, aqui em Porto Alegre, um projeto de lei de ação popular que se chama: bebida alcoólica e cigarro: visibilidade zero. É um tiro na lua. O projeto visa acabar com a propaganda de bebida. Você vai comprar porque quer, não porque viu na TV e foi motivado a experimentar.

Você é a favor da legalização da maconha?

Há vários argumentos para a legalização: vai tirar gente do presídio, vai acabar com o tráfico. O tráfico não vai acabar. O traficante vai vender mais barata e ainda alterada. A sintética, por exemplo, está matando. Ele sempre vai fazer algo que dê lucros. Outro argumento é que a maconha faz bem à saúde. Mas, se for assim, então vamos extrair o canabidiol, substância química encontrada na maconha, que tem utilidade médica. Em contrapartida, a lista de malefícios é enorme. O usuário fica mais relaxado na vida, reduz as expectativas e ambições. Se acha mais feliz, porque se contenta com pouco. Ele, normalmente, tem uma vida mal resolvida. Eu não soucontra a legalização. Sou contra no Brasil, um país de fronteiras enormes, de diversidades culturais e econômicas gigantes, onde não se fiscaliza e não se pune satisfatoriamente. Vai ser mais uma droga legal em que o nosso público­alvo, que são os jovens, terão acesso, prejudicando o seu desenvolvimento físico e psíquico desde cedo. A legalização vai sabotar os futuros gestores do país e criar mais uma demanda para o sistema de saúde, já tão precário.

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