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Transporte é maior desafio no pós-Covid, diz ex-diretor de contingenciamento em SP

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Transporte é maior desafio no pós-Covid, diz ex-diretor de contingenciamento em SP

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Por: Sites da Web

Pneumologista Carlos Carvalho, ex-coordenador do Centro de Contingenciamento em SP. Foto: Divulgação

No primeiro dia fora da coordenação do Centro de Contingência contra a Covid-19 do estado de São Paulo, o pneumologista Carlos Carvalho afirma que o maior desafio do mundo pós-Covid-19 será o transporte público. Ele explica que é dentro de ônibus, trens, metrôs e aviões que as pessoas ficam mais perto por longos períodos – viagens que duram de 30 minutos a mais de 10 horas – e que é difícil limitar o número de passageiros, em função do aumento de custo que acarreta. Informações do O Globo*

Professor da Faculdade de Medicina da USP, com especialização em Terapia Intensiva, Carvalho afirma que o divisor de água para a reabertura das atividades econômicas em São Paulo foi o uso de máscaras pela população – o índice dos que usam supera 95%. 

A capital paulista iniciou o retorno das atividades econômicas, mas ainda não atingimos o chamado pico, ou platô de casos, qual indicadores foram levados em conta para a reabertura? 

Temos duas centrais de encaminhamento de pacientes para leitos de UTI na capital paulista, uma do município e outra do estado. No fim de abril, início de maio, havia mais de 120 pedidos de leito por dia apenas na capital. No estado, eram mais de 250 por dia. Hoje, está abaixo de 100. Este tipo de epidemia, se conhece há séculos, no início o número de casos sobe rapidamente, porque nenhuma pessoa tem proteção. Não é simples ter 200 leitos de UTI vagos por dia. 

Na capital paulista, o Comitê de Saúde foi orientando, treinando equipes e disponibilizando ventiladores conforme a demanda. Não queríamos ter mais do que 85% dos leitos de UTI ocupados. Chegamos a ultrapassar e ter 90% de ocupação, mas São Paulo se tornou a única região do mundo que não sofreu colapso no atendimento de saúde aos infectados pelo coronavírus, como aconteceu em Nova York e na Espanha, por exemplo. Hoje estamos em torno de 66% de ocupação dos leitos de UTI na cidade de São Paulo. 

Este é um indicador de oferta de saúde. Quais os indicadores da doença que levam à análise de que a situação está sob controle? 

As medidas de isolamento em São Paulo conseguiram frear a velocidade de transmissão do coronavírus. Testamos funcionários do setor de saúde, policiais, servidores de presídios. Não tem como testar 20 milhões de pessoas. Não tínhamos insumo nem dinheiro para isso. Na última vez que consultei os números de testagem, tínhamos 200 mil testes positivos. Se imaginarmos que todos eram sintomáticos, o que equivale a cerca de 20% dos casos, chegamos à estimativa de mais de um milhão de pessoas que já tiveram o contato com o vírus. Um grupo relativamente grande já teve contato com o coronavírus, produziu anticorpos, o que diminui o espalhamento da doença. 

Na sua avaliação, qual foi a principal medida para conter a doença? 

O diferencial mais poderoso foi o uso de máscaras pela população. A adesão foi alta. Mais de 95% das pessoas usam máscara quando estão nas ruas. É uma barreira mecânica muito importante e que reduz enormemente o contágio. O uso de máscaras não vinha sendo levado em conta nos modelos matemáticos inicialmente usados, que faziam previsões catastróficas que não se confirmaram na realidade. A população também aderiu ao distanciamento social. Essas duas medidas trouxeram proteção. 

O número de contágios caiu? 

No início da pandemia, cada pessoa infectada transmitia o vírus para duas ou três. Esse cálculo é feito com base na proporção de novos casos e da população exposta. Essa razão, o R do cálculo, esteve acima de 2 entre março e abril. Na capital paulista, este índice agora está abaixo de 1, entre 0,8 e 0,9. A transmissibilidade ficou menor porque temos pessoas com anticorpos ou com máscaras. Esse é um dos parâmetros que indicam controle da situação, ao lado da menor procura por atendimento de saúde. 

Quais são os outros parâmetros? 

Temos ainda a velocidade de evolução de casos suspeitos ou confirmados. Esta semana, por exemplo, temos menos casos suspeitos ou confirmados. Temos ainda, proporcionalmente, menos óbitos. Quando avaliamos a cidade de São Paulo, todos os indicadores apontam para a mesma direção e mostram coerência. A interpretação é que a situação está ficando melhor. 

Foi dito que estamos perto de atingir o platô, o patamar mais alto de casos. Ou seja, ainda não atingimos. 

O acompanhamento é feito semana a semana. Não é uma fotografia, é um pequeno filme. Na semana passada a capital entrou na fase amarela no Plano o São Paulo durante três dias. Pedimos para que esperem até esta sexta-feira para verificar a consistência e seguir no programa de abertura. Veja que é o oposto do que acontece no interior do estado de São Paulo, que está ficando laranja e vermelho. 

Para os médicos, como o senhor, qual é o parâmetro mais importante para a reabertura? 

É o número de internações por insuficiência respiratória, que reflete o número de casos e também o de óbitos. Mas a partir do momento em que a equipe de saúde propôs o fechamento, na semana seguinte começou a discussão sobre quando vamos abrir. O isolamento é uma medida extrema. Indicamos porque não há remédios para tratar os pacientes de Covid-19. Mas o que norteia a abertura é a saúde e a economia. Milhares dependem da circulação de pessoas, do movimento, para alimentar suas famílias. A equipe de economia mapeou as profissões e os grupos mais vulneráveis do ponto de vista econômico. Nós, da saúde, balizamos como ter segurança para não expor as pessoas a risco exagerado. 

Como isso foi trabalhado? 

A filosofia é abrir os estabelecimentos que mais precisam ter receita para alimentar famílias. É por isso que, desde o início, nunca proibimos o trabalho de empregados domésticos, faxineiras e construção civil, onde estão os trabalhadores mais vulneráveis. Depois vieram o pequeno comércio. Mas, quando abre o comércio, tem de abrir todos, não tem como separar. Com as pessoas circulando, é preciso ter bares e restaurantes para que possam se alimentar fora de casa. Por isso eles devem abrir até 17 horas. Não estamos liberando bares para as pessoas irem para a farra à noite. 

Há muita pressão para a reabertura? 

O comitê de saúde tem sido pressionado para abrir as escolas privadas, que conseguem testar todos os alunos. Mas a regra deve ser única. Não posso colocar 13 milhões de alunos nas ruas, com milhares de professores e funcionários que têm fatores de risco. Não vou jogar lenha na fogueira da epidemia. Alguns perguntam por que abrimos os shoppings e não os parques. Explico: é preciso fazer a economia funcionar. Num shopping, é possível controlar a entrada das pessoas, o número de pessoas que circulam dentro dele. Num parque não conseguimos impedir que grupos de dez, 20 pessoas se sentem juntas para fazer um pique-nique. 

A filosofia então foi abrir pelos setores onde há mais trabalhadores vulneráveis à falta de renda? 

Sim. Além do comércio, temos barbearias, salões de beleza, que movimentam muitas pessoas e ficam no sufoco sem trabalhar. Ficarão para a última fase academias, teatros, museus. A ideia é ter o menor trânsito de pessoas, para ter o menor contato possível 

A alteração dos horários de abertura reduziu a lotação no transporte público? 

É o contato que facilita o contágio pelo vírus. As pessoas ficam dentro de ônibus, metrô ou trem por períodos longos, de 30 minutos a mais de uma hora. Não podem entrar sem máscara e, preferencialmente, precisam manter distanciamento. 

Mas não houve regra para o setor de transporte. 

Não conseguimos controlar isso. O ônibus pode sair do terminal com o número correto de pessoas, mas nas paradas seguintes pode ficar superlotado. O transporte é uma encrenca muito grande para o pós-Covid. Aumentar o número de ônibus, por exemplo, aumenta o custo. Se estimular o transporte individual, aumenta a poluição. Se estimular a bicicleta, precisa de tempo para construir vias apropriadas. Também não se constrói linhas de metrô em seis meses. E não se trata apenas de ônibus, metrô. Tem os aviões também. Essa epidemia está mudando o mundo. Quem imaginaria Congonhas (o aeroporto de Congonhas) com menos de 50 voos por dia? 

Como o senhor vê esse mundo pós-Covid? 

Vai ser um mundo mais afastado. As pessoas não poderão ficar tão juntas. Isso pelo menos até a imunização da população, e  ainda assim torcendo para que novos vírus não surjam . Ao longo dos séculos o mundo já teve várias grandes epidemias. A gripe espanhola matou mais de 20 milhões de pessoas e naquele tempo elas não viajavam tanto quanto viajam hoje. Será um mundo diferente. Vamos ter de ser mais cautelosos. 

O risco é alto de mutação do coronavírus? 

Os vírus sofrem muitas mutações. O vírus da gripe, por exemplo, quando tem uma vacina, já surgiu outro. Alguns vírus são mais estáveis, mas pode ocorrer mutação de um momento para o outro. Tivemos a Sars, a gripe suína, e em menos de 10 anos veio um vírus mais agressivo. A Sars não parou o mundo, apenas alguns países. Mas o coronavírus está parando o mundo todo. O H1N1 tem mais capacidade de mutação. O coronavírus é mais difícil, porque precisa de um hospedeiro intermediário. É mais difícil de ocorrer, mas quando ocorre dá um bicho bravo. 

Por que o senhor deixou a coordenação do comitê? 

Hoje é meu primeiro dia fora da coordenação, que é uma atividade voluntária muito intensa e exige muita disponibilidade de tempo. Mas ainda tenho relatorias, como o estudo para o retorno das aulas. Estamos discutindo com todos os setores. 

O que o senhor gostaria de dar como orientação para a população? 

É importante dizer que não tem tratamento milagroso. A medicina não tem um tratamento que mude o curso da doença. Não há remédio que previna. A certeza que temos é o isolamento, o afastamento das pessoas e a barreira mecânica criada com o uso da máscara. É isso que realmente previne. Nos casos mais graves, aprendemos que alguns tratamentos podem ser úteis. 

Quais são eles? 

No início da infecção não tem o que possa modular ou prevenir a evolução da doença. Mas, nos casos mais graves, o que se mostrou útil foram técnicas de ventilação mecânica, que ajudam a não causar lesões adicionais no pulmão, por exemplo. Aprendemos ainda a reconhecer determinadas imagens que aparecem no raio X ou tomografia e que indicam gravidade maior e infecção bacteriana, que podemos combater com o uso de alguns antibióticos. E que o uso de corticosteroides também reduz a mortalidade. 

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