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Salvador
Inquérito sobre caso ainda não concluído.
Por: G1
Foto: Reprodução do Jornal Nacional
O laudo pericial da Polícia Civil confirmou que funcionários de uma loja sofreram tortura pelos patrões, em Salvador. Um deles teve as mãos queimadas com o número 171, como "punição" pelo suposto furto de R$ 30 da empresa. O jovem nega que tenha roubado o dinheiro.
Além das mãos queimadas, William de Jesus também foi agredido com pauladas nas mãos e no corpo. O colega de trabalho dele, Marcos Eduardo Serra, foi agredido a pauladas.
O inquérito sobre o caso ainda não concluído. A Polícia Civil informou que deve oferecer denúncia ao Ministério Público da Bahia (MP-BA).
Os dois trabalhadores registraram o caso no mês passado. Os patrões, Alexandre e Diógenes Carvalho, foram ouvidos mais de uma vez pelo delegado Willian Achan. Eles confessaram as agressões, mas alegaram que não torturaram os jovens. O delegado afirmou que ainda não há elementos para pedir a prisão dos patrões das vítimas, no curso das investigações.
As duas vítimas disseram que foram atacadas na própria loja onde trabalhavam, em uma emboscada armada pelos patrões. Cada um dos funcionários foi agredido em um dia diferente. William conta como aconteceu com ele.
"Começaram a falar que eu estava roubando, aí começaram as agressões, tanto física quanto verbal, fizeram aquela tortura. Só eu sei o que eu passei".
"Brincaram comigo como se eu fosse um objeto. Acho que foi uma hora ou 40 minutos [de agressões], não sei, era muito doloroso para mim contar o tempo. Passei por muita dor e muito sofrimento. Eu pedi a todo instante para ele parar, pedia a todo momento pela minha vida e ele só me agredia".
Humilhações
Além da tortura física, as vítimas também foram humilhadas verbalmente. Apesar de negros, os patrões proferiram insultos racistas a William, segundo ele relatou.
"Tentei sair, tentei me explicar a todo momento. Tentei conversar, mas ele estava com frieza. Ele sorria para mim e me agredia demais com palmatória, murros. A todo momento era só agressão. Eu chorava muito e pedia para ele não faz isso. Ele sorriu e disse que eu ia passar as coisas que os negros passaram [na escravidão]. Foi muito humilhante. Ainda me colocaram uma saia".
"Eu consegui fugir. Acho que se eu ficasse mais tempo eu não ia resistir, de tanta paulada. Ele me deu muita paulada, foi muita agressividade. Achei que não ia conseguir resistir. Eu não desejo a ninguém passar por isso".
Antes das queimaduras, os patrões ainda colocaram um pano na boca de William, para servir como mordaça e abafar os gritos de dor do jovem.
"Não vi arrependimento no olhar dele, eu vi o querer fazer toda essa situação que ele fez comigo. Ele queimava com calma para eu sentir a dor. Eu gritava muito, apesar de eu estar com o pano a boca, para não fazer zoada, para não chamar atenção. Ele me queimava devagar, com aquela crueldade, ainda falando que não queria estar na minha pele".
Prisão de suspeitos
Para o delegado que está à frente do caso um pedido de prisão deve ser emitido somente quando a polícia estiver com mais provas do crime. Um fator relevante para não pedir a prisão no momento, segundo Willian Acham, é que um dos suspeitos se apresentou à polícia e se mostrou disposto a contribuir com as investigações, sem risco de fuga.
"Eles ficaram algum tempo trancafiados, sofreram agressões e outros tipos de situações mais graves, com queimaduras, mordaças, teve mãos e pés amarrados. Então, isso foi uma crueldade bem acintosa e que justifica a aplicação da Lei da Tortura", detalhou o delegado.
O Ministério Público da Bahia informou ao g1 que aguarda a conclusão do inquérito, para oferecer denúncia à Justiça. Já o Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu o próprio inquérito para investigar os empresários.
De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a tortura é um crime hediondo e inafiançável, ou seja: não cabe indulto ou liberdade provisória. Para o delegado Willian Achan, não há dúvidas de que houve a prática da tortura contra os jovens.
Ameaças de morte e 'tribunal do crime'
O caso ocorreu na primeira quinzena de agosto, mas a história só foi denunciada à polícia no dia 26, porque as vítimas foram ameaçadas pelos homens para não prestarem queixa, e ficaram com medo. Além das agressões, os investigados filmaram a situação e expuseram na internet.
Vítima das agressões, Marcos Eduardo Serra foi o primeiro a procurar a delegacia. Ele trabalhava no local há cerca de um ano. Nas imagens, Marcos aparece sentado, recebendo pauladas nas mãos.
"Foi traumatizante. Tanto que eu não durmo direito, me assusto de madrugada, porque ele me ameaçou. Ele ameaçou pegar a gente. Falou que ia chamar os homens da boca [traficantes] que ele mora para pegar a gente. Ameaçou de morte", relatou o jovem.
A intimidação e ameaça foi uma prática semelhante ao crime praticado contra Bruno e Yan Barros – tio e sobrinho mortos após furto de carne em um supermercado de Salvador: o tribunal do crime. Na ocasião, em abril de 2021, as vítimas foram entregues a traficantes que se organizavam como grupo de extermínio.
Já William de Jesus, além de agredido, também teve as mãos queimadas com um ferro de passar roupas. Os agressores escreveram o número 171 na vítima, em referência ao crime de estelionato.
"Já ia fazer dois meses eu trabalhando na loja. Ele me acusou de roubo sem prova nenhuma, entendeu? No momento em que ele estava me batendo, ele estava gravando para que eu confessasse. Eu falei: 'rapaz, eu não vou confessar nada não, porque eu não roubei nada", contou William.
Afronta aos Direitos Humanos
Para o presidente do núcleo Bahia do grupo Tortura Nunca Mais, Joviniano Neto, o caso é uma barbárie e afronta aos princípios dos Direitos Humanos e da dignidade humana.
"Existe, na sociedade brasileira, uma ideia de que o modo de enfrentar os crimes – ou suspeitas de crimes – é o uso da violência, é o uso da intimidação. A mais feroz possível. E, ao contrário [do que se pensa], a violência só faz aumentar a violência".
"Quando os patrões divulgaram o ato criminoso, eles tinham confiança e crença de que tinham direito. O mesmo direito que os senhores de escravos tinham antigamente, no período colonial, de supliciar os seus subordinados, os seus escravos".
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