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"Medida provisória": longa de Lázaro Ramos sobre racismo estreia na telona

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"Medida provisória": longa de Lázaro Ramos sobre racismo estreia na telona

Com Taís Araújo e Seu Jorge no elenco, história que o ator já havia levado ao teatro teve percurso acidentado até sua chegada às salas.

Por: Pesquisa Web

(Foto: reprodução)

Assim como ocorreu com “Marighella”, de Wagner Moura, “Medida provisória”, filme que marca a estreia de Lázaro Ramos como diretor de longas-metragens, chega aos cinemas impulsionado por seus detratores. A informação é do Estado de Minas*

Ficção que imagina uma distopia em que um governo não especificado obriga a população negra do Brasil a “retornar” para o continente africano – sob o pretexto de reparação do passado escravocrata –, o filme, que estreia no circuito comercial de salas de cinema de todo o país nesta quinta-feira (14/4), tem sido alvo de ataques da claque bolsonarista desde que seu enredo foi divulgado.

Como um tiro que sai pela culatra, a sanha do ex-presidente da Fundação Palmares Sérgio Camargo, do ex-secretário da Cultura Mário Frias, do deputado federal Eduardo Bolsonaro e do próprio presidente Jair Bolsonaro acabou por promover a obra, ampliando o raio de interesse sobre ela. 

Em março do ano passado, Camargo pediu boicote ao filme alegando que ele acusava o governo de racismo. “É pura lacração vitimista e ataque difamatório contra o nosso presidente”, disse em suas redes sociais.

A questão, conforme pontuou Lázaro Ramos em entrevista concedida também no ano passado, é que o embrião do filme remonta a 2011, quando o ator, diretor e dramaturgo Aldri Anunciação lhe apresentou o texto da peça “Namíbia, não!”, da qual “Medida provisória” é adaptado. O filme começou a ser concebido em 2012 e foi escrito em 2015 – três anos antes da eleição do atual ocupante do Palácio do Planalto, portanto.

DESEJO DE POLÊMICA

“Qualquer comentário sobre o filme é feito em cima de suposições ou desejo de polêmica, pois ninguém assistiu à obra, a não ser quem esteve nos festivais onde foi exibido”, disse o ator e diretor à época. 

Gravado em 2019, “Medida provisória” levou mais de um ano para ser liberado pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) para estrear em circuito nacional. Foram dezenas de e-mails trocados com o órgão desde novembro de 2020, além de consultas processuais.

A Ancine alegou, durante esse período, que o projeto estava em “fase de análise do pedido de investimento para a sua distribuição em salas de cinema” e que tudo seguia os trâmites normais. A produção rebateu, detalhando que o que impedia o lançamento era “a demora da Agência em concluir os trâmites necessários para a troca de distribuidora do filme”, pedido feito no final de 2020.

Entrevistado do programa “Roda Viva”, da TV Cultura, na última segunda-feira (11/4), Lázaro Ramos disse que os ataques não passam de campanha política, amparada em dirigismo cultural. 

“É para tirar o foco dos problemas do governo. É uma cortina de fumaça. Isso não tem nada a ver com a gente. É para as pessoas não debaterem sobre o preço da gasolina, dos alimentos. É para as pessoas não debaterem a crueldade e a falta de valor à vida”, apontou.

O ator e diretor recordou, ainda, que a estreia do filme chegou a ser adiada quatro vezes, em razão da engrenagem burocrática emperrada, e destacou que, somente depois que a tentativa de obstrução da obra foi divulgada pela imprensa é que ela foi liberada para estrear. 

“A assinatura chegou somente depois que isso foi noticiado”, disse ele, que refletiu: “Talvez, pelo medo de acontecer o que aconteceu com ‘Marighella’, de Wagner (Moura), que quando a notícia da censura chegou, acabou divulgando mais o filme, que foi muito bem-sucedido nos cinemas”.

FESTIVAIS

“Medida provisória” passou por diversos festivais internacionais, sempre com boa recepção da crítica especializada. Ainda em 2020, no Indie Memphis Film Festival, nos Estados Unidos, o longa recebeu o troféu de melhor roteiro para Lázaro Ramos, Lusa Silvestre e os corroteiristas Aldri Anunciação e Elísio Lopes Jr.

No Pan African Film, em Los Angeles, realizado em 2021, recebeu dois prêmios: de melhor direção e de melhor ator para Alfred Enoch. No Festival de Huelva, na Espanha, também recebeu os prêmios de direção e de melhor ator para Alfred Enoch. Já no Festin Festival, ocorrido em Lisboa, Lázaro Ramos recebeu o prêmio de melhor realizador.

Além do britânico Alfred Enoch, que é filho de mãe brasileira e no longa dá vida ao advogado Antônio, o elenco é encabeçado por Taís Araújo, que interpreta sua mulher, a médica Capitu, e por Seu Jorge, no papel do jornalista André, primo de Antônio, que divide um apartamento com o casal. Além do trio central, outros 77 atores estão presentes no filme – 70 deles, negros.

Adriana Esteves, que vive uma assistente social que trabalha para o Ministério da Devolução, e Renata Sorrah, como uma moradora do mesmo prédio em que vivem Antônio, Capitu e André, personificam o racismo, que está, naturalmente, disseminado entre os outros personagens brancos do filme e as forças de segurança que, a partir do decreto governamental, passam a perseguir a população negra para o banimento.

“Medida provisória” se desenrola numa interseção de gêneros, entre o drama, o suspense e o humor, presente sobretudo na primeira parte do longa. Lázaro Ramos diz que procurou, com isso, uma nova forma de abordar a questão do racismo, fugindo dos modelos estabelecidos que obras com essa mesma intenção adotam.

Foi também com o intuito de contornar clichês que ele escolheu como figuras centrais da história personagens negros de classe média. O diretor diz que o ingrediente cômico e o status social dos protagonistas podem contribuir para trazer as pessoas para dentro da história, de forma que se sintam confortáveis acompanhando a trama e consigam compartilhar das experiências que são vividas pelos personagens.

A partir do decreto que determina a “devolução” da população negra para a África, o tom de suspense se impõe. Como a polícia está autorizada a prender as pessoas para serem deportadas, mas segue proibida de invadir suas casas, Antônio e André se entrincheiram no apartamento em que vivem, ao passo que Capitu inicia uma rota de fuga pela cidade, até que é resgatada para o “Afrobunker”, uma espécie de quilombo urbano contemporâneo criado na quadra de uma escola de samba abandonada, depois que o carnaval foi proibido pelo governo.

O clima de suspense é intercalado pelo drama do casal separado pelas circunstâncias. Lázaro conta que, para compor o Afrobunker, a atriz Tatiana Tibúrcio selecionou 26 atores de teatro que formariam o núcleo principal. No “Diário do diretor”, que está sendo lançado pela editora Cobogó juntamente com o filme, e também no “Roda Viva”, Lázaro Ramos destacou que esse quilombo urbano poderia render uma história própria.

“Para mim, esses atores constroem um mundo à parte e poderiam facilmente ser protagonistas de uma série derivada desse filme, toda sobre o Afrobunker. Já queria tê-los comigo ali para, se um dia for possível, desenvolver e vender a série, para colocá-los como protagonistas”, escreveu no “Diário do diretor”.

DIVERSIDADE

No volume, Lázaro descreve ainda a experiência de reunir, como protagonistas, 26 negras e negros: “Nós nos juntamos na sala e oferecemos personagens a cada um deles: advogada, cristão, candomblecista, adolescente, bombeiro, youtuber, vendedor ambulante... Assim fomos construindo um ambiente onde havia diversidade. A proposta era fazer um laboratório criativo de um dia com esses atores, imaginando o que aconteceria se a medida provisória fosse realmente decretada e se esse neoquilombo de fato existisse”.

No “Diário do diretor”, Lázaro ressalta a preocupação em fazer com que os “vilões” fossem críveis. Para isso, o discurso dos personagens racistas é o de que estão trabalhando pelo bem da nação. No caso de Izildinha, personagem de Renata Sorrah, pelo bem do prédio; no caso de Isabel, personagem de Adriana Esteves, ela diz que se trata apenas de um trabalho que visa ao bem da nação.

No caso do Ministro da Devolução, o responsável por “devolver os negros à África”, vivido por Cláudio Gabriel, o trabalho que fazem é em nome de uma melhor gestão econômica do país. “E é assim, com o governo propondo uma resposta fácil para um problema complexo – o que por vezes acontece no dia a dia sem nem percebermos –, que são apagadas todas as nuances e complexidades que existem nas questões raciais e socioeconômicas de um país”, escreve o ator e diretor.

INSPIRAÇÃO

Para essa sua primeira experiência atrás das câmeras em um longa-metragem, Lázaro conta que buscou, obviamente, muitas fontes de inspiração. Para transpor a história de Aldri Anunciação dos palcos para o cinema, ele diz que encontrou esteio na experiência de “O topo da montanha”, peça que dirigiu e na qual atuou ao lado de Taís Araújo, focada no último dia de vida de Martin Luther King, e que estreou em 2015 – um hit inesperado, conforme diz, que circulou pelo país durante cinco anos.

“O que o público nos contou durante esses cinco anos nos ensinou qual seria a melhor forma de fazer essa transição para o cinema. Além disso, por ser um filme sobre o qual comecei a pensar há sete anos, não tinha nada igual naquela época”, escreve o ator e diretor no texto de divulgação de “Medida provisória”.

Lázaro destaca que seu primeiro longa é um filme que fala sobre as condições raciais mesclando gêneros e que, nesse sentido, tanto Spike Lee quanto Jordan Peele também foram influências importantes. 

Ele conta que, em 2017, quando Peele lançou “Corra!” – vencedor do Oscar de melhor roteiro original em 2018 –, a proposta de trabalhar com gêneros distintos ficou mais clara. “Não quero comparar com os filmes que ele faz, mas acho que podem pertencer à mesma família”, escreveu.

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