Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies
Educação
Por: Sites da Web
João Carlos Salles / Reitor da Universidade Federal da Bahia (Ufba)
Alvo de polêmica desde que foi anunciada pelo Governo Federal, a Medida Provisória 746/2016, que altera a estrutura do ensino médio e possibilita a retirada da obrigatoriedade de disciplinas como educação física e artes, foi tema de debate na Universidade Federal da Bahia (Ufba), quinta-feira passada. O reitor da instituição, João Carlos Salles, falou com exclusividade ao A TARDE e disse que, a partir do resultado do seminário, a Ufba vai se posicionar publicamente sobre a MP. Para ele, a medida “parece caminhar” para excluir uma grande parcela de estudantes do acesso à universidade, dando uma “falsa liberdade” de escolha entre o mercado de trabalho imediato e o ensino superior. Confira o que pensa o reitor.
O que levou a Ufba a produzir este seminário, propondo uma grande reflexão sobre a Medida Provisória 746/2016?
Primeiro, o ensino médio é fundamental para a universidade. Ela tem uma enorme responsabilidade com a educação básica, a começar das nossas licenciaturas, mas também dos nossos diversos cursos que fornecem profissionais docentes. Há um vínculo entre ensino superior e educação básica. Considerando a importância, a gravidade e os vários problemas que o ensino médio apresenta, primeiro julgamos precipitado que uma reforma a se fazer se servisse do instrumento de medida provisória, que suprime a possibilidade de debate mais cuidadoso.
Em segundo lugar, achamos aí, é uma opinião mais pessoal, que os pressupostos da reforma não levam em conta as condições reais do ensino médio e o compromisso que o Estado deve ter, no sentido de prover docentes com qualidade para certas áreas e disciplinas. Palavras como “flexibilização” não soam oportunas se as condições objetivas para que esta flexibilização se exerça positivamente estejam dadas. A flexibilização, quando não se tem opção, não é nenhuma. Pode significar que disciplinas importantes serão retiradas do repertório de formação de estudantes, comprometendo uma formação mais integral e favorecendo a reprodução de distorções entre as pessoas mais favorecidas e as que precisariam de um apoio maior da intervenção do Estado.
Este seminário produzirá algum tipo de posicionamento da Ufba?
Certamente. À luz das considerações, nós nos posicionaremos. Note que esse seminário desencadeou uma série de outros seminários em outras universidades, com apoio da Andifes [associação de dirigentes de universidades]. Isso não só possibilitará articulação maior da posição das instituições de ensino superior como vamos nos posicionar publicamente.
Que tipo de documento?
Espero que em breve saia uma Carta de Salvador, da Ufba, refletindo, tomando posição acerca da medida provisória.
Quais outros impactos da MP o senhor destaca?
Pode significar que certas unidades dos diversos estados deixem de fazer os investimentos necessários, por exemplo, para que disciplinas – as mais diversas que hoje têm o horizonte de ser obrigatórias – deixem de ser oferecidas. Isso pode levar a uma acomodação das condições efetivas, com distorções muito graves. Então, os impactos são bastante preocupantes. O ensino médio é uma aposta no futuro, nas novas gerações. Eu diria que, mesmo que a MP traga alguma eventual contribuição positiva, coisa que ainda é passível de discussão, até mesmo a mudança precipitada mostra uma imprudência acadêmica e política grave.
E o que a MP poderia trazer de positivo?
Não consigo adivinhar ainda. O que eu quero dizer é que, mesmo que tivesse alguma questão positiva, o fato de ser feito por meio de uma medida provisória prejudica eventual benefício que ela pudesse trazer. Algumas pessoas dizem “essa medida talvez seja acertada”. Mas isso não se dá sem uma discussão. A medida provisória prejudica até mesmo o que, por ventura, ela tivesse de positivo.
E eu, por enquanto, não considero que ela tenha, porque envolve uma contradição, no sentido de que ela sugere a expansão do número de horas e, em vez de com isso fazer com que disciplinas obrigatórias sejam mais bem tratadas, suprime a obrigatoriedade. Se cria uma situação paradoxal. O atendimento dessas outras horas não será feito, se não houver um debate mais cuidadoso de quais são os conteúdos fundamentais para a formação do ensino médio. Ao contrário, a flexibilização pode deixar ao sabor das circunstâncias mais imediatas decisões que envolveriam, na verdade, uma intervenção mais consistente do Estado.
O senhor considera positiva a intenção de que o aluno tenha no ensino médio uma preparação maior para o mercado de trabalho antes de chegar até mesmo à universidade?
O problema que você colocou é exatamente esse: antes de chegar à universidade. O problema é que a medida parece caminhar para fazer com que uma grande camada de estudantes nem chegue à universidade. Tenha essa formação destinada a um mercado profissional como terminada no ensino médio – e isso não é o que desejamos.
O senhor acha que esse aluno do ensino médio pode chegar, diante das mudanças, mais despreparado à universidade?
Ele pode nem chegar à universidade! A primeira questão é essa. Pode não chegar, porque a formação dele o levou, o afastou de uma preparação para a universidade e o direcionou mais imediatamente ao mercado de trabalho. Há um pressuposto de que o aluno vai ter a possibilidade de escolher, como se não pudesse decidir sobre o próprio futuro. Ora, quem pode decidir é quem tem condições para isso, quem teve dadas as condições para isso. Então, o aluno poderá escolher qual a formação que terá... Só que, se a escola não oferecer essa multiplicidade de formações, o aluno não poderá escolher. Se o aluno não for apoiado para ir à universidade, ele não poderá decidir que vai fazer medicina, filosofia ou o que quer que seja. Então, essa pretensa “liberdade”, não sendo dadas as condições, é uma retirada da própria liberdade.
Acha então que pode ocorrer uma redução da demanda nas universidades?
Alguns cursos na universidade podem ser prejudicados, pois não haverá um mercado oferecido para certas profissões.
É verdade que as profissões continuarão. A Ufba não renunciará à formação completa em nenhuma das profissões, mas o futuro mercado de trabalho pode ser diminuído para certos profissionais formados por nós.
Educação
Educação
Educação
Educação